Wednesday, December 07, 2016

Um pequeno passo...

Um pequeno passo...

Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 11 de maio de 1998, caderno 4, página 15.



Exatamente às 23 horas, 56 minutos e 31 segundos, hora de Brasília, o Comandante Neil A. Armstrong tocou o solo da Lua, descendo pela cabine do módulo lunar. 6h38 depois de ter pousado na superfície do satélite natural da terra. Às 23h39, ele disse que a porta estava se abrindo. Um minuto depois, o astronauta vislumbrava diretamente a superfície da Lua. Lentamente, e com movimentos extremamente seguros, começou a descer a escadinha do módulo, pisando sempre com o pé esquerdo. Quando alcançou o segundo degrau a televisão começou a transmitir diretamente da Lua a Terra, focalizando perfeitamente o astronauta. Já sobre o solo lunar, Armstrong afastou-se do módulo e começou a executar suas primeiras tarefas, tornando realidade um sonho milenar do homem.

Eis a seqüência do histórico acontecimento: calmamente, os astronautas começaram a ler os medidores de pressão às 23h20. Depois, Armstrong e Aldrin começaram a passar em revista a roupa um do outro. Armstrong declarou que a pressão estava 4,75 e caindo. A porta do módulo foi aberta quando a pressão chegou a zero. Às 23h31 a pressão, segundo Armstrong, estava caindo em torno do ponto dois. Ele perguntou a Aldrin se ainda levava bastante tempo para aquela coisa descer até o fim. Aldrin respondeu que sim. Armstrong fez uma tentativa de abrir a porta às 23h35. Aldrin então perguntou se ela estava destrancada, e o comandante respondeu que sim. A seguir, Armstrong abriu a porta do módulo. Ele teve que sair do módulo escorregando sobre o estômago, até que pôs o pé na escadinha. A televisão mostrou Armstrong recolhendo, com uma espécie de longas pinças, as primeiras amostras do solo lunar. O sinal de televisão chegou ao centro de Houston e dali era retransmitido para todo o mundo. Armstrong e Aldrin descreveram a descida na Lua como doze minutos arrepiantes, durante os quais os sinais de alarme do computador de bordo piscavam descontroladamente. A explicação para essa pane no computador foi o excesso de trabalho que a unidade foi submetida. Enquanto resolvia problemas de descida, o computador sofreu a pressão do radar de reencontro que operava a toda carga. O alarme prevenia insistentemente que o computador estava chegando ao seu ponto de saturação. Armstrong e Aldrin, segundo desabafariam na Terra, naquele momento dariam tudo para ver para onde estavam indo, antes que o centro de controle da Terra ordenasse com firmeza que seguissem em frente. Quando Armstrong descia pela escadinha, tinha a Terra exatamente sobre sua cabeça. Disse que podia ver tudo claramente. Ao dar o primeiro passo na superfície lunar, Armstrong comentou: “pequeno passo para o homem, salto gigantesco para a humanidade”.


                Armstrong iniciou a descrição de seus passos nas finas partículas de areia lunar. E disse que parecia não haver dificuldade para mover-se por lá. Não havia problemas em caminhar. Armstrong afirmou, ainda, que estava na verdade em um setor muito nivelado. Enquanto isso, Aldrin, seu companheiro, aguardava ansiosamente sua vez de descer. Depois repetiu que o motor de descida não abrira uma cratera de tamanho nenhum, e que eles estavam numa lugar muito plano. Só tinham avançado um oitavo de polegada, mas podiam ver suas pegadas nas finas partículas do chão lunar. Aldrin fotografou a descida de Armstrong do interior do módulo. Afirmou ainda que não parecia ter dificuldade para andar, ao testar seu equilíbrio.
               
                Durante a descida puxando um anel na fuselagem do módulo, Armstrong ligou uma câmera de televisão que transmitiu seu primeiro passo na Lua para a Terra. Armstrong disse, ainda, que a superfície da Lua era fina e poeirenta, como carvão em pó sob os seus pés[i]. Podia ver as pegadas que suas botas deixavam nas finas partículas. Comunicou que recolheu a primeira amostra e que tentaria pegar uma pedra. E declarou que era muito interessante porque a primeira impressão era de uma superfície muito branda, mas depois parecia ter muita consistência, e disse que tentaria obter outra amostra. Os médicos do centro de controle disseram que a informação era boa e a tripulação lunar parecia que ia bem.

Nas imagens vindas da Lua podia-se ver como pano de fundo o escuro do espaço e luminosidade branca, em contraste à superfície sobre a qual a imagem de Armstrong aparecia um pouco difusa em branco e preto. caminhava como alguém que carrega um grande peso nas costas. Dizia ser algo parecido com o deserto no oeste dos Estados Unidos. Disse que estava achando difícil inclinar-se, referindo-se aos movimentos que precisava fazer para apanhar as amostras, as quais começou a descrever: olhando para cima, para o módulo, estava diretamente na sombra, vendo Buzz (Aldrin) nas janelas. Podia ver tudo muito claro, disse Armstrong ao primeiro minuto do dia 21, hora de Brasília, depois à zero hora e 16 minutos, Edwin Aldrin também desceu à superfície lunar. Antes de Aldrin descer, Armstrong fez uma rápida revisão visual no módulo, declarando que estava dando para ver tudo com clareza, e perguntou se Buzz estava pronto para descer. Aldrin, em resposta, começou a descer vagarosamente a escada. Disse que precisavam tomar cuidado ao inclinar-se na direção que queriam ir, principalmente se principalmente se quisessem cruzar os pés.  As vezes eles pareciam estar realizando exercícios físicos, especialmente com os braços. Aldrin acrescentou que não se afundava mais do que alguns centímetros quando se caminhava. Os dois se comunicavam pelo rádio, pois seus capacetes e trajes espaciais selados não poderiam conversar de outra forma.


Houve problemas de falta de foco com a câmera e certas interrupções. O momento mais delicado da Apollo 11 foi quando a Eagle desceu de sua órbita em direção ao solo lunar. Houve problemas no computador, o combustível estava acabando, e os astronautas a bordo, quando olharam pela janela, perceberam que não sobrevoavam o local programado. Na base de comando em Houston, outros dois astronautas, entre eles, os primeiros estadunidenses a ir ao espaço, acompanhavam tudo.

A seguir, eles contam como foram os momentos mais tensos de toda a missão, os dois astronautas, Alan Shepard e Deke Slayton, desciam rapidamente em direção à paisagem lunar em sua nave de aterrissagem, a Eagle.  No interior da apertada cabine, Neil Armstrong e Buzz Aldrin estavam de pé, calçando as botas. Estavam praticamente sem peso, fechados dentro de um traje espacial pressurizado. A Eagle avançava veloz, puxada pela atração gravitacional da Lua, Armstrong e Aldrin encontravam-se a poucos minutos do momento em que iriam acionar o motor e descer para a superfície lunar a 400 mil quilômetros de distância. No centro de controle de Houston, um colega astronauta chamado Charlie Duke estudava atentamente os painéis de instrumentos. Duke era a única pessoa autorizada a comunicar-se com Armstrong e Aldrin naquele momento. Era hora de enviar a mensagem. Houston disse ao microfone que se a Eagle recebesse a mensagem, teria sinal verde para a descida. Armstrong e Aldrin não estavam sozinhos. Um terceiro membro da tripulação da Apollo 11, Michael Collins, estava 80 quilômetros acima deles, em órbita lunar, dentro da nave de comando, a Columbia. Ele ouvira claramente a mensagem do centro de controle. Ele disse para a Eagle que Houston acabara de dar sinal verde para a descida. Os dois homens se entreolharam. Armstrong disse que a mensagem fora recebida e entendida. Eles se dirigiam a um mar sem água chamado Mar da Tranquilidade.

Dentro do centro de controle da missão de Houston, um pequeno exército de controladores de vôo, todos tensos, mantinha os olhos sobre seus consoles. O programa para o restante do dia em que desceram na Lua previa, inicialmente, um longo período de descanso, pelo menos quatro horas. Em seguida, segundo a NASA, eis o que fizeram Armstrong e Aldrin:
6h51: Os astronautas abrem a escotilha da cabine e jogam fora o material que não precisariam mais. A porta é fechada pela última vez.
7h13: Armstrong e Aldrin fazem outra refeição e iniciam um período de repouso de quatro horas e quarenta minutos.
14h55: Os astronautas ligam o motor de subida do módulo.
15h02: O módulo entra em órbita lunar.
15h33: O módulo inicia as manobras de acoplamento com a nave mãe.
18h32: Completa-se o acoplamento.
22h25: O estágio de subida do módulo lunar é afastado da nave de comando e abandonado em órbita da Lua.


                Foi assim que a Folha descreveu a conquista da Lua no dia seguinte ao evento. Alguns meses depois, uma matéria no jornal forneceu mais detalhes sobre a expedição.

                Antes de deixar o satélite terrestre, os astronautas fixaram no solo lunar uma bandeira estadunidense. Depois falaram com o presidente Richard Nixon e Aldrin leu os dizeres de uma placa comemorativa: “Aqui os homens do planeta Terra colocaram pela primeira vez o pé na Lua. Julho, 1969. Anno Domini. Viemos em paz e em nome de toda a humanidade.” Os astronautas ainda instalaram um sismógrafo, um refletor de laser e um equipamento para medir o vento solar antes que o controle da Terra os prevenisse de que estavam atrasados em relação ao cronograma. Mesmo assim, o controle concedeu-lhes mais 15 minutos de permanência fora do módulo lunar. A última tarefa na superfície da Lua coube a Aldrin, que introduziu um cilindro de 13 centímetros no solo do satélite para coletar amostras.

                A missão Apollo 11 exigiu anos de pesquisa, testes, vôos e mortes para que o foguete Saturno V levasse um pequeno módulo com três ocupantes para a Lua. Edwin Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong, depois de mais de mil horas de treinamento especial, foram enviados para marcar a passagem do homem sobre o satélite terrestre. Apesar de todo o preparo, a missão Apollo 11 quase abortou momentos antes do pouso lunar.

                O primeiro grupo de astronautas foi selecionado em 1959. A NASA primeiramente exigia experiência em aviões a jato, treinamento em engenharia, idade abaixo de quarenta anos, estatura inferior a um metro e oitenta. Neil Armstrong foi selecionado em 1962, em um programa especial para as missões Apollo e Gemini. Collins e Aldrin passaram no teste de 1963. A maior parte do treinamento foi feita em Houston, no Texas, sul dos Estados Unidos. Para simular a volta à Terra, os 3 foram deslocados até o Golfo do México e resgatados por um helicóptero. Todas as etapas da missão foram simuladas várias vezes. Testes com gravidade zero, incêndios à bordo, contaminação de um dos membros da equipe. Os astronautas passaram por vôos em um avião chamado Zero G, que significa “gravidade zero”. Assistiram também palestras sobre geologia, microbiologia, fotografia e sistemas de navegação da nave, ministradas pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets, em Boston, Nordeste dos Estados Unidos.
 
Armstrong, Collins e Aldrin
                O Saturno V jamais foi igualado em termos de capacidade de colocar cargas em órbita[ii]. Ele podia levar ao espaço cerca de 150 toneladas. O módulo de comando das Apollo tinha acomodações e pesava 5,800Kg. O jipe lunar só foi usado nas missões Apollo 15, 16 e 17. Pesava 209 quilos e dava aos astronautas uma área de exploração de 10 quilômetros de raio. Tinha uma unidade de monitoração de TV que permitia ao centro de controle da missão em Houston observar todas as operações. O desenvolvimento dos equipamentos que possibilitaram a chegada com sucesso na Lua custou mais caro do que supunham os idealizadores. Durante testes de plataforma, em 27 de janeiro de 1967, os astronautas Roger Chafee, Edward White e Virgil Grissom morreram em um incêndio na cabine de comando. Houve um curto circuito no sistema elétrico. Esse acidente atrasou o programa em 18 meses: as missões Apollo 2 e 3 foram canceladas.


Hoje faz 32 anos que ninguém volta à Lua. O interesse dos cientistas à pesquisa do espaço se voltou para outros objetos. Frustração é a palavra que melhor a reação dos pesquisadores diante dos resultados científicos do programa Apollo. Os 12 astronautas que pisaram na Lua pouco ajudaram a responder a principal pergunta as ciência: como surgiu o satélite da Terra.

Deixando de lado o sucesso de mídia e os dividendos políticos das missões tripuladas estadunidenses, é bom lembrar os quase 25 bilhões de dólares gastos com o programa. A Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos dizia, antes da missões Apollo, que descobrir a origem da Lua era uma das mais importantes questões científicas do século XX. Mas, mesmo depois de 6 missões, o problema continua sem uma resposta satisfatória. E a melhor chance de respondê-la pode estar nas sondas automáticas e simulações em supercomputadores, e não em caríssimos vôos tripulados. Mesmo porque, dos 12 astronautas que deixaram pegadas sobre o solo lunar, apenas um era cientista: o geólogo Harison Schmitt. A mais importante realização científica das missões Apollo foi a coleta de amostras do solo lunar, cerca de 385kg de rochas. Só que sondas automáticas podem fazer o mesmo, como foi o caso das soviéticas Luna. O único problema é a quantidade, bem menos, da ordem de dezenas de gramas, obtidas pelas sondas. Mas elas tem a vantagem de poder coletar amostras em pontos inacessíveis às naves tripuladas, devido ao risco de que representariam para os astronautas. As amostras das missões Apollo tem este inconveniente: provém de uma área limitada da Lua, o centro da face visível.

Uma das teorias para a origem da Lua diz que ela surgiu do impacto de um planetóide com a Terra 4,6 bilhões de anos atrás. O choque com esse planetóide, que tinha cerca de metade do diâmetro da Terra, teria lançado ao espaço uma nuvem de rocha vaporizada, que depois se transformaria na Lua. Novos dados para confirmar ou negar a teoria do impacto do planetóide estão sendo esperados com a missão da sonda automática. A NASA, Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, planejava lançar a sonda lunar Observer para esquadrinhar a superfície do satélite terrestre com raios X e Gama. O objetivo é determinar a composição física da superfície. A missão lunar Observer virá com mais de 20 anos de atraso, pois é complementar às descobertas das missões Apollo.

Esse é o tipo de missão que pode contribuir para o conhecimento humano, disse à Folha por telefone o cientista James Van Allen, da Universidade de Iwoa, referindo-se à sondas automáticas como a Observer. Van Allen é conhecido como um dos principais críticos à ênfase excessiva, como ele diz, que a NASA concedeu às missões tripuladas. Ele afirma ainda que a equipe na NASA tenta recapturar a excitação da população com os ônibus espaciais e acaba fracassando. Ele tem currículo para apoiar as críticas. O primeiro grande sucesso científico da corrida espacial foi a descoberta, 1958, com os satélites da série Explorer, dos cinturões de radiação presos pelo campo magnético da Terra, conhecidos como cinturões de Van Allen. Ele diz que a ênfase em ter astronautas em órbita da Terra tem retirado verba de projetos cientificamente mais valiosos, como a exploração de outros planetas, bem mais interessantes do que a Lua. Segundo ele, as missões de astronomia como a do telescópio espacial Hubble e o estudo da própria Terra pelo detalhado sensoriamento remoto orbital.

Van Allen brinca que está há mais tempo estudando o espaço do que a NASA, que só foi criada em 1958, o que deflagrou essa grande Corrida Espacial, como se convencionou chamar, ainda nos anos 60. A exploração espacial envolvendo os soviéticos e os estadunidenses, começou com um minúsculo objeto, o Sputnik, primeiro satélite artificial da Terra, lançado em 1957 pelos soviéticos. Em 1961 os russos conquistaram a segunda e surpreendente vitória no espaço, colocando, no dia 12 de abril, o primeiro homem em órbita.  O jovem Iuri Gagarin[iii], 27 anos, realizou uma volta inteira em torno da Terra, a bordo da solitária Vostok. É dele a expressão: “A Terra é azul”.
 
Yuri Gagarin
Para quem ainda hoje se surpreende com a disputa militar que se estendeu ao espaço cósmico, é preciso dizer que desde o início da corrida espacial os objetivos militares estiveram sempre presentes. Os foguetes  Atlas e Titan que impulsionaram as primeira naves estadunidenses, a Mercury de um lugar e a Gemini, de dois, não passavam de mísseis militares adaptador. A inovação aconteceu com a série Saturno, que, com aperfeiçoamentos, chegou ao poderoso Saturno V. O mesmo aconteceu com os soviéticos, que se valeram de mísseis militares para lançar as naves Vostok, de um lugar, e as Voskhorod, de três lugares. Só em 1965 os russos desenvolveram um foguete para carga pesadas que colocou em órbita três satélites da série Próton e levou à órbita lunar um engenho da série Zond.






A descida dos estadunidenses na Lua levou os soviéticos a concentrar todos os seus esforços na exploração do satélite da Terra e na elaboração de plataformas espaciais de onde, segundo especialistas, será possível, no futuro, alcançar não apenas a Lua, mas os planetas mais próximos, como fizemos com Marte, a custos incomparavelmente menores. Em abril de 1971 os russos lançaram a Salyut 1, a primeira estação espacial soviética, onde cinco dias depois se hospedaram 3 astronautas  que viajaram a bordo da Soyuz 10. Na década de 80, os russos enviaram ao espaço a nave Soyuz 12 com três astronautas , inclusive uma mulher, para acoplar-se com a estação orbital Salyut 7, onde estavam três outros astronautas realizando experiências físicas e médicas.

Desde o início da exploração do espaço evoluíram a habilidade dos astronautas e a sofisticação das espaçonaves. As Mercury e Gemini caminharam para as Apollo de três lugares, e agora cederam lugar para as lançadeiras que deverão funcionar com o Spacelab. Os soviéticos, além das estações espaciais, conseguiram feitos fantásticos com engenhos não tripulados, que inclusive desceram na Lua, coletaram amostras de solo e retornaram com perfeição à Terra. Os erros produziram acidentes como o que matou três astronautas estadunidenses em 27 de janeiro de 67 ou outros três astronautas russos em junho de 1971. A rivalidade entre russos e estadunidenses, em pelo menos um momento cedeu à confraternização, quando, em 15 de junho de 1975, uma nave Soyuz acoplou-se no espaço com uma Apolo. Depois de muitos anos do ápice da Guerra Espacial, uma entrevista foi realizada nos Estados Unidos com os tripulantes da Apollo 11.  O primeiro homem a pisar na Lua, Neil Armstrong, já não mostrava o mesmo entusiasmo de 1969. Armstrong afirmou na ocasião que a pessoas passam do espanto para o tédio, e daí para o esquecimento, com grande rapidez, e que isso faz parte da natureza humana.

Perguntado sobre o que havia mudado na sua vida depois de pisar na Lua, ele respondeu que, provavelmente, uma entrevista coletiva com ele antes de 1969 teria muito menos jornalistas. Mais de 300 jornalistas disputaram a entrevista com os três astronautas da Apollo 11. Desde 1969, de 5 em 5 anos, a NASA patrocina a realização de uma entrevista semelhante. As imagens da aterrissagem na Lua não despertariam o mesmo interesse em gente educada com filmes de Spielberg e George Lucas. Edwin Aldrin,  o segundo astronauta a pisar na Lua, disse que as pessoas com menos de 20 anos tinham uma noção de limites muito diferente da geração dele. Michael Collins, o astronauta que ficou a bordo a Apollo 11 e não chegou a pisar na Lua, completou dizendo que as pessoas tinham mais respostas que a geração deles tinha. Sem esconder a insatisfação, os três astronautas defenderam um programa espacial mais agressivo. Para Collins, os Estados Unidos deveriam enviar uma missão tripulada à Marte. Em sua opinião, isso teria um efeito eletrizante em todos os negócios relacionados com o espaço no mundo, pois os Estados Unidos são uma nação de exploradores e por isso devem perseguir um programa espacial ambicioso. Tem sido assim desde a conquistado oeste. Aldrin disse que a falta de dinheiro em que se encontrava a NASA não servia de justificativa para atrasar o programa espacial, preferia atribuir a timidez do programa a falta de lideranças políticas fortes. Para ele, isso era um sinal dos tempos. Lembrou que na década de 60 o presidente Kennedy disse ao Congresso que iria colocar um homem na Lua. Já o presidente Bush teria de enfrentar uma dura negociação. Para Armstrong, o projeto de construção da estação orbital Freedom iria recuperar o prestigio do programa espacial estadunidense. Há dez anos ele vinha defendendo as idéias de que os Estados Unidos mantivessem permanentemente astronautas em órbita. Só esperava que a contrução da Freedom não demorasse outros dez anos. Durante a entrevista, o mais tímido dos três foi Armstrong. Ele sempre teve esse comportamento. Deixou a NASA em 71 e, desde então, vive em certa obscuridade como fazendeiro em Ohio e chairman de uma companhia de sistemas eletrônicos[iv]. Buzz viaja o mundo discutindo os conceitos e idéias sobre a exploração do universo[v]. Assim com Collins[vi], Buzz ocupou cargo público e até hoje escreve sobre a missão.  




[i] O solo da Lua é chamado de Regolito, uma camada solta de material heterogêneo e superficial que cobre uma rocha  sólida. Ele inclui poeira, solo, rocha quebrada e outros materiais correlatos e está presente na Terra, na Lua, em Marte, em alguns asteroides e outros planetas terrestres e luas. Na Lua, o regolito que cobre a superfície deve-se à erosão cósmica, dito comumente como atomização ou meteorização das rochas pela brusca variação de temperatura, choque com outro meteoritos ou outros processos físicos.
[ii] O Saturno V também chamado Foguete Lunar (Moon Rocket), foi o foguete usado nas missões Apollo e Skylab. Foi desenvolvido por Wernher von Braun no Marshall Space Flight  Center em Huntsville, Alabama juntamente com Boeing, North American Aviation, Douglas Aircraft Company sob coordenação da IBM. Ele possui três andares (estágios), propelido pelos cinco poderosos motores F-1 do primeiro andar, mais os motores J-2 dos andares seguintes.Os três andares do foguete, chamados S-IC (primeiro andar), S-II (segundo andar) e S-IVB (terceiro andar), usavam oxigénio líquido (lox) como oxidante. O primeiro andar usava RP-1 como combustível, enquanto os segundo e terceiro usavam hidrogénio líquido. Foi o maior e mais caro foguete do mundo a ser utilizado com sucesso. Seu último vôo lançou em órbita o laboratório espacial Skylab.
[iii] Yuri Alekseievitch Gagarin (em russo: Юрий Алексеевич Гагарин; Kluchino, 9 de março de 1934  Kirjatch, 27 de março de 1968) foi um cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar pelo espaço, em 12 de abril de 1961, a bordo da Vostok 1, que tinha 4,4 m de comprimento, 2,4 m de diâmetro e pesava 4725 kg. Esta espaçonave possuía dois módulos: o módulo de equipamentos (com instrumentos, antenas, tanques e combustível para os retrofoguetes) e a cápsula onde ficou o cosmonauta. Após ser desligado do programa espacial, Gagarin foi transferido para um centro de testes de aeronaves. Em 27 de março de 1968, durante um voo de treino de rotina em um caça MIG-15 sobre a localidade de Kirjatch , ele e o instrutor de voo Vladimir Seryogin morreram na queda do jato, num acidente nunca devidamente explicado.Gagarin e Seryogin receberam honras de Estado e foram enterrados na muralha do Kremlin.
[iv] Neil Alden Armstrong (Wapakoneta, 5 de agosto de 1930  Cincinatti, 25 de agosto de 2012) foi um astronauta dos Estados Unidos, piloto de testes, engenheiro aeronáutico e aviador naval que escreveu seu nome na história do século XX e da Humanidade ao ser o primeiro homem a pisar na Lua, como comandante da missão Apollo 11, em 20 de julho de 1969. Antes de se tornar astronauta, Armstrong serviu na Marinha dos Estados Unidos combatendo na Guerra da Coreia como piloto de caça. Após a guerra, graduou-se como piloto de testes e serviu na Estação de Voo do Comitê Consultivo Nacional para a Aeronáutica (NACA) de alta velocidade, onde acumulou mais de 900 voos em uma variedade de aeronaves.
Entrou para a NASA em 1962, integrando o segundo grupo de astronautas da agência espacial, indo ao espaço pela primeira vez em 1966, como comandante da missão Gemini VIII, três anos antes do voo que o colocaria na História. Condecorado com a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior condecoração civil do país, e a Medalha de Honra Espacial do Congresso, manteve uma vida discreta e longe dos olhos da opinião pública até sua morte, aos 82 anos. Dele, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama disse ser " um dos maiores heróis americanos, não apenas de sua época, mas de todos os tempos". Em 7 de agosto, Armstrong foi submetido a uma cirurgia cardíaca de emergência, após terem sido encontrados quatro obstruções em suas artérias coronárias. A partir de então esteve em recuperação num hospital em Cincinatti, cidade onde morava com a sua mulher. No dia 25 de agosto de 2012, não resistindo a complicações relacionadas com as recentes intervenções cirúrgicas, acabou falecendo em Cincinatti, no estado de Ohio, aos 82 anos de idade. O corpo de Neil Armstrong foi cremado, e suas cinzas lançadas no Oceano Atlântico por sua viúva para fora do navio USS Philippine Sea.
[v] Buzz Aldrin, nascido Edwin Eugene Aldrin Jr. (Nova Jérsei, 20 de janeiro de 1930), é um ex-astronauta norte-americano, ex-coronel e piloto da Força Aérea dos Estados Unidos. Foi o segundo homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969, como tripulante do módulo lunar Eagle, durante a missão Apollo 11, a primeira a pousar no satélite. Com uma persona muito mais pública do que seu companheiro de missão Neil Armstrong, Aldrin deixou a NASA após o passeio lunar, voltou à Força Aérea num cargo gerencial e passou a fazer palestras em todo o mundo promovendo a exploração espacial. Extrovertido, bem-humorado, culto — mas de pavio curto — dublou a si próprio em séries da televisão americana como Os Simpsons e da televisão inglesa, interpretou um reverendo num filme para a televisão sobre a Apollo 11 e confessou em sua autobiografia ter tido vários problemas de depressão e alcoolismo em seus anos pós-Apollo 11, o que contribuiu para sua aposentadoria da USAF.
[vi] Michael Collins (Roma, 31 de outubro de 1930) é um ex-astronauta norte-americano e tripulante da missão Apollo 11, a primeira a pousar na Lua em 20 de julho de 1969. Ele foi o piloto do Módulo de Comando que ficou em órbita do satélite e o único dos três tripulantes da missão a não pisar no solo lunar. Collins nasceu na Itália, filho de um general do exército americano que serviu em diversas partes do mundo e passou parte da adolescência em Porto Rico, base temporária do pai, onde fez seu primeiro passeio de avião. Com a entrada dos EUA na II Guerra Mundial, ele voltou com a família para Washington e entrou para as forças armadas americanas, seguindo o caminho dos homens de sua família, escolhendo a Força Aéreapara fazer carreira. Nos anos 50, serviu como piloto de combate junto às forças americanas da OTAN na Europa. Michael Collins é o autor da insígnia da Missão Apollo 11, a famosa águia – símbolo dos Estados Unidos - pousando na Lua carregando um ramo de oliveira. Ele desenhou a marca baseado numa fotografia da revista National Geographic.

Monday, November 28, 2016

Uma Visão da Guerra do Vietnã

Uma Visão da Guerra do Vietnã

Fonte: Jornal Folha de São Paulo, Sábado, 11 de Abril de 1998, caderno 1, páginas 6 e 7. (Editado[i])


            A Guerra do Vietnã teve início em 1945 e término em 1973. Durante esse período, vários conflitos militares ocorreram na região, com alguns momentos de trégua. Pela proximidade, o Laos e o Camboja também foram envolvidos no conflito desde o princípio. Inicialmente, a guerra tinha caráter colonial, mas, devido a crescente Guerra Fria e à situação política mundial, o conflito evoluiu para uma guerra civil. De um lado, as forças conservadoras apoiadas pelos Estados Unidos. Do outro lado, as forças comunistas apoiadas pela China e pela União Soviética.  A Guerra do Vietnã teve duas fases: o período francês, de 1945 a 1954, e o período estadunidense, de 1959 a 1973.

            O período francês teve início em 5 de outubro de 1945, quando o General Philipe Marie de Hauteclocque e suas tropas desembarcaram em Saigon, ocupado a metade sul do país. Não ocuparam o norte, pois, pela convenção de 6 de março de 1946, assinada por Ho Chi Minh e pelo representante da França em Hanói, Jean Sainteny, o governo provisório reconheceu a independência da República Democrática do Vietnã em relação à França e aprovou uma futura reunificação, mas exigia a presença de 15 mil homens em Hanói. Porém, o almirante francês Georges Thierry D’Angenlieu, nomeado pelo General De Gaulle, negociou o silêncio a transformação da Cochinchina (Sul do Vietnã do Sul) numa república autônoma, dando início, em 19 de dezembro de 1946, aos primeiros conflitos armados contra as forças francesas. A luta continuou nos anos seguintes, com alguns períodos de trégua.

            O conflito envolvendo o Vietnã do Sul e os Estados Unidos contra o Vietnã do Norte teve início em 1959, ano em que a guerrilha comunista do sul, os Vietcongues, aliada às tropas do Norte, retorna ao Vietnã do Sul com a missão de acabar com o governo pró-ocidente e reunificar o país. Em 1961, os EUA passam a se envolver no conflito, reforçando o regime anticomunista do Sul. O apoio dos EUA é a parte da Guerra Fria envolvendo a disputa do capitalismo estadunidense e o socialismo soviético pela hegemonia mundial.

            Um dos piores crimes de guerra ocorridos no Vietnã foi o episódio de My Lai.

            No dia 16 de Março de 1968, o Tenente Willian Calley Jr, comandava um pelotão de soldados do Exército dos EUA que invadiu o pequeno povoado de My Lai, no Vietnã do Sul, onde os estadunidenses desconfiavam haver grande quantidade de guerrilheiros Vietcongues. Como depois de revelou, 56 civis foram chacinados em 20 minutos naquele dia. Muitos deles eram mulheres e crianças de até dois anos de idade. Quando revelado em 30 de novembro de 1969, o acontecimento assombrou o público estadunidense. O episódio de My Lai ficou registrado na consciência nacional dos Estados Unidos como motivo de vergonha. Ajudou a alterar a opinião pública do país na direção do combate à presença estadunidense no Sudeste Asiático. Foi um das fontes de inspiração para o filme Platoon, de Oliver Stone. A ordem de Calley, que depois foi acusado de pessoalmente ter matado 109 pessoas, foi simples para os seus soldados: “Matem todos. São todos vietcongues. Não há nenhum civil inocente neste lugar.”

My Lay

            Até esse incidente, o tenente era considerado um jovem oficial exemplar. Calley foi levado à Corte Marcial em outubro de 1970. No julgamento, o operado de rádio do pelotão, Charles Sledge, disse que o tenente jogava mulheres e crianças em uma vala e depois metralhava. Ele e outras testemunhas afirmam não ter havido qualquer reação dos soldados. A defesa do tenente foi a tradicional nesse tipo de acusação: ele estava cumprindo ordens de seus superiores. “Eles eram todos inimigos. Todos tinham de ser destruídos”, disse ele em dramático testemunho, em 23 de fevereiro de 1971. “Eu fui ensinado a odiar todos os vietnamitas. Esta não é uma guerra em que se possa dar chicletes às crianças. Elas são perigosas, são excelentes plantadoras de minas”. Em 31 de março de 1971, ao fim da mais longa Corte Marcial da história do Exército dos Estados Unidos, Calley foi condenado à prisão perpétua com trabalhos forçados pelo assassinato de 20 civis.
Lt. Willian Calley Jr.

            O país ficou dividido em relação à sentença. Muitos conservadores consideraram a decisão injusta e diziam que Calley era um herói de guerra, que deveria ter sido promovido. O então presidente dos EUA, Richard Nixon, colocou Calley em liberdade enquanto seu recurso era julgado. Em agosto de 1971 a pena foi reduzida para 20 anos de prisão. Ele cumpriu menos de um terço da sentença e foi libertado. Nenhum de seus superiores foi punido. Calley agora vive em Columbus, Georgia, sul do país. Tem uma pequena joalheira, está casado e tem um filho. Recusa-se a falar com jornalistas ou comentar em público qualquer assunto relacionado com a Guerra do Vietnã[ii].

              O repórter que revelou ao mundo a chacina de My Lai, Seymor Horsh, da agência de notícias Dispatch News Services, ganhou o Prêmio Pulitzer de 1969 na categoria de reportagens internacionais.

            Apesar da superioridade bélica estadunidense, a Guerra do Vietnã representou a maior derrota militar da história dos EUA. Em 30 de abril de 1975, os estadunidenses viram pela TV, ao vivo, um tanque norte vietnamita arrombando o portão do palácio do governo da cidade de Saigon, hoje Ho Chi Minh. Horas antes, o embaixador de Washington em Saigon, Graham Martin, foi visto fugindo do prédio da embaixada, pelo telhado, num helicóptero, com a bandeira do país enrolada debaixo do braço. Não apenas o Vietnã está sob o controle de Hanói, mas também toda a Indochina, o Laos e o então Camboja (Kampuchea). Ainda que no Kampuchea houvesse uma guerra civil entre os comunistas e os locais, conhecidos pelo nome francês de Khmer Rouge, e os comunistas de Hanói. Os EUA forneceram armas e dinheiro para Pol Pot, o líder do Khmer, e lhe garantiu um assento na ONU. Mas é uma ação de retaguarda. A Indochina era seguramente comunista. Desde fevereiro de 1968, ninguém mais nos meios informados pelos EUA, acreditavam em vitória contra Hanói. O que deixou isso claro foi uma ofensiva no ano novo chinês, chamado de Tet no Vietnã, entre o fim de janeiro e o começo de fevereiro. Os comunistas entraram até na embaixada dos Estados Unidos em Saigon. Foram repelidos. Os revanchistas e os revisionistas da guerra não se cansam se afirmar isso[iii].

            O que ficou evidente é que os insurretos tinham reserva de gente e munição para enfrentar e causar sérios estragos aos Estados Unidos, depois de três anos de uma escalada de Washington, de 1965 a 1968 e que, portanto, os comunistas não eram derrotáveis. Em dezembro de 1967, o General Willian Westmoreland tinha declarado às duas casas do Congresso que o inimigo não tinha mais condições sequer de montar uma ofensiva. Em janeiro e fevereiro de 1968 foi espetacularmente desmentido. Uma das ilusões que tem trânsito livre nas comemorações e nas lembranças da guerra é que os Estados Unidos começaram a intervir na Indochina há década de 60, no governo de John Kennedy que, escalaram no governo Lyndon Johnson, de 1963 a 1969, começando a retirar tropas no governo Richard Nixon, de 1969 a 1974, e concluindo esse processo em 1973. E que a derrota veio durante o governo de Gerald Ford entre 1974 e 1977.

            Isso é falso. Os Estados Unidos começaram a se envolver na Indochina em 1943, na Conferência de Teerã, na Segunda Guerra Mundial. A região estava sob controle japonês. Tóquio tinha entrado na guerra em 1941 e conquistou grande parte do Sudeste da Ásia. A França, em 1943, tinha um governo aliado a Hitler, Vichy. Os japoneses permitiram que na Indochina a França continuasse no poder. Havia também um governo nativo fantoche, do imperador Bao Daí. Um dos primeiros ministros de daí foi Ngo Dinh Dien, que fiaria famoso como representante dos Estados Unidos a partir de 1956. O governo das Estados Unidos, em 1943, de Franklin Delano Roosevelt, sabia da existência de um líder revolucionário comunista, Ho Chi Minh, que resistiu aos japoneses e que queria a independência também dos franceses.
Ho Chi Minh

            Ho Chi Minh apareceu em cena em 1919, na Conferência de Paz da Primeira Guerra Mundial, pedindo a independência da Indochina do domínio colonial francês. Foi ignorado. Roosevelt, em Teerã, concedeu uma possível independência da Indochina a longo prazo, para o fim da guerra, já previsível em 1943. Discutiu com Stalin, líder soviético, e Churchill, inglês, uma administração conjunta de quatro grandes potências para a Indochina. Ou seja, não queria independência para os indochineses a curto prazo. Também não queria que os franceses reassumissem as colônias. Lembrando que Vichy era o governo da França e colaborava com Hitler e Roosevelt reprovava Charles De Gaulle, o líder da França. Agentes da OSS, a predecessora da CIA, em 1943, dava armas e outros subsídios aos revolucionários de Ho Chi Minh. Isso foi uma atitude caprichosa de Roosevelt, de um meio-termo entre colonialismo e independência, foram as posições mais simpáticas dos governos dos Estados Unidos com as aspirações dos indochineses.

            Na conferência de Potsdam, em 1945, com Hitler já derrotado, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, continuou formalmente a política de Roosevelt, aceitando uma administração de grandes potências na Indochina. Mas já havia aí um governo francês livre, não marcado pelo nazismo, sob a chefia de De Gaulle, que queria manter o império do país intocado pela onda de anticolonialismo. A revolução no Vietnã se acelerou, quem quer que leia as memórias de Truman ou de seu sucessor, Eisenhower, verificará que admitem ter financiado 80% da guerra dos franceses contra as aspirações de intendência do Vietminh, o nome pelo qual o movimento de Ho Chi Minh ficou conhecido.

            Só entre 1950 e 1953, os EUA deram 3,6 milhões de dólares de auxílio aos franceses. Isso em valores de hoje (1998), equivale a cerca de vinte bilhões de dólares. É inequívoca a presença dos Estados Unidos ao lado do colonialismo e, a partir de 1954, assumindo-o na Indochina e, no Vietnã em particular, a intervenção apenas mudou de caráter no correr dos anos. De indireta passou a direta.

            Em maio de 1954 os franceses foram convincentemente derrotados na batalha de Dien Bien Phu. Um primeiro ministro corajoso, Mendes-France, decidiu negociar com Ho Chi Minh. Os Estados Unidos se opuseram. Os franceses aceitaram uma conferência em Genebra com participação da URSS, EUA, China (comunista) e França. Foi decidido que haveria uma participação entre Vietnã do Norte e do Sul e que quem não quisesse viver sob Ho Chi Minh podia ir do Norte para o Sul (860 mil foram). Não era o que os comunistas e também os nacionalistas queriam. Eles insistiram em unificar o país. A decisão das grandes potências em Genebra foi marcar eleições para dois anos mais tarde, quando o povo escolheria livremente o governo.

            John Foster Dulles, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, deixou claro que Washington não acataria essa decisão, se discordasse dela. Se recusou a apertar a mão do representante chinês, Chu En Lai. Nas memórias de Eisenhower (estamos apenas citando documentos acessíveis ao leitor brasileiro), ele deixa claro que se tivesse havido eleição, ho Chi Minh receberia 80% dos votos do povo vietnamita. Conta também que Richard Nixon, então vice-presidente, seria o líder de uma corrente dentro do governo que queria a intervenção direta dos Estados Unidos depois da derrota francesa em Dien Bien Phu. Eisenhowe resistiu à idéia porque era doutrina militar dos Estados Unidos não entrar em guerra terrestre na Ásia, em face das hordas de amarelos que já tinham criado o impasse na Coréia, na Guerra de 1950 a 1953.

            Em 1956 não houve eleição. Eisenhower sancionou o governo de Ngo Dinh Diem e família, entupindo o governo do Sul de dinheiro e outros subsídios, a maior parte canalizada para a Suiça por Diem e irmãos, mulheres e concubinas. Ho Chi Minh aceitou à força a decisão de Genebra. Foi ameaçado pela URSS e pela China (então aliada de Moscou) de corte de suprimentos (meio milhão de toneladas de arroz ao ano) se resistisse e continuasse a guerra. Moscou estava sob Kruschev, que queria estabelecer coexistência pacífica vis-a-vis Washington. E os chineses isolados pelos Estados Unidos da comunidade mundial, seguiam Moscou e também por estarem às voltas com as diversas mudanças de linha interna, sob o mercurial Mao Tsé Tung.

            Ho Chi Minh organizou o governo stalinista em Hanói, Matou milhares de trotsquistas e outros dissidentes de esquerda, o que já tinha feito em 1930, ao fundar o PC Vietnamita. É cômico que os liberais dos Estados Unidos, que o apoiaram na Guerra contra Washington, se 1960 a 1975, não pareçam saber disso. De resto, nem a direita nos Estados Unidos sugere ter conhecimento dessa história. E a direita acha que Moscou conduziu a guerra no campo de batalha. Os liberais sempre sonham com o “animal nobre” de Rousseau. Os liberais nos Estados Unidos eram pré-marxistas e robespierristas.

            É importante notar que o povo da Indochina era dividido, como quase todo o terceiro mundo, em tribos que não se amam, para dizer o mínimo. Alianças ideológicas existem, muitas vezes contra o invasor estrangeiro. A Indochina lutou cerca de 1200 anos contra os chineses. São mil e duzentos anos. Quando conseguiram a paz, brigavam entre si, tribo contra tribo. Isso explica em grande parte o recente conflito entre Hanói e o Kampuchea, nos anos 80.

            A ambivalência da URSS também precisa ser notada. Nunca a deu a Ho Chi Minh um décimo do que os aliados dos Estados Unidos receberam. Temos aí o testemunho insuspeito de Melvin Laird, Ministro da Defesa de Nixon, ao congresso em 1971. Esse auxílio era dado ou retirado de acordo com as conveniências da política externa da URSS. Foi isso que fez de Ho, até certo ponto, uma figura justificadamente lendária. Ho foi um stalinista, mas acreditava tanto no nacionalismo como no comunismo à lá Moscou. Daí ter uma flexibilidade única entre os líderes de esquerda do Terceiro Mundo. É tolice dizer que ele foi lacaio de Moscou. E igualmente tolice imaginá-lo um democrata socialista que só radicalizou por pressão da guerra contra os EUA. Ho foi o flexível líder que atraiu incontáveis nacionalistas não comunistas no Sul do Vietnã, a chamada Frente de Libertação Nacional, logo batizada de Vietcongue, comunistas do Sul.

            O fato é que reunia gente de todas as tendências anticolonialistas e que Ho sempre pretendeu, uma vez vitorioso, comunizar o país. Não se sabe o que ele teria feito em 1975, porque morreu em 1969. Mas a ambivalência da personalidade dele permanece com o herdeiros, como veremos adiante.

            Em 1960, a coexistência entre Moscou e Washington foi interrompida com o incidente do U-2, avião espião estadunidense que moscou abateu e fez Eisenhower mentir e se desmentir em público, que gelou as relações entre os dois países, gelo que continuou com o primeiro encontro entre Kruschev e Kennedy, Vietnã, 1961. Este foi o sinal verde para Ho incentivar a Frente de Libertação Nacional do Sul, contra o governo Diem. É importante notar que, de 1960 a março de 1965, não há o menor indício da presença de tropas do Vietnã do Norte no Sul. Ho manteve, portanto, a porta aberta à coexistência pacífica desejada por Moscou.

            E no Sul, a família Diem hostilizava todas as outras tribos. Os Diem eram católicos, minoria num país de budistas e outras fés orientais. Kennedy começou a estudar uma intervenção direta no Sul. Foi desaconselhado pelos generais Eisenhower e Douglas MacArthur, que dirigiu desastradamente a Guerra da Coréia. Chegou a mandar 22 mil soldados ao Sul.

            No governo Kennedy o Secretário de Defesa, Robert MacNamara, chefiava a facção do gabinete que achava possível fazer do Sul uma república liberal democrata. Mas todos os ministros, com uma exceção, o Subsecretário de Estado George Ball, pensavam assim. Havia o problema de perder o Vietnã do Sul para o comunismo. Kennedy morreu antes de decidir se ordenava uma intervenção em grande escala. O sucessor Lyndon Johnson, não parece ter tido dúvidas. Em 1964, se valendo de um misterioso incidente no Golfo de Tonkin, obteve permissão do senado para fazer o que bem entendesse.

            De 1965 a 1968 colocou 2,5 milhões de soldados dos EUA no Sul, bombardeou o Vietnã do Norte e converteu o Vietnã do Sul numa colônia dos EUA. As hesitações de Kennedy foram verdadeiras. Não há dúvida de que ele apoiou , se não comandou, o golpe contra Diem em 1963, que matou esse cavalheiro e pôs em fuga a família e asseclas do mesmo. Uma sucessão de generais ocupou o poder, de 1963 a 1965, entre os quais o Brigadeiro da Aeronáutica Cao Ky, grande admirador de Adolf Hitler, e Thieu, cuja fuga em 1975 foi registrada pelo ex-agente da CIA Frank Snepp num livro chamado “Intervalo Decente”, em que nota que a bagagem de Thieu fazia muito barulho de metais, certamente ouro e prata de grande valor, que levou para Londres, onde morava até a década passada, escondido.

            As hesitações de Kennedy nunca incluíram permitir que o Vietnã encontrasse o seu próprio destino. Para entendermos isso, é preciso voltarmos um pouco na história. O governo dos EUA, desde a década de 1930, tem como estratégia um mundo aberto ao comércio internacional sob a égide de Washington que, maior centro de riqueza, dominaria naturalmente esse enorme espaço. É uma outra doutrina que permite competição, bastando lembrar os exeplos de Japão e Alemanha Ocidental anos atrás. Mas não admite a existência de governos autárquicos que se oponham ao livre comércio e capital financeiro.

            Um exemplo definitivo disso é a reação complacente de Washington a um grupo de países subdesenvolvidos, os da OPEP, em colaboração com um único grupo estadunidense, os de óleo e energia, que impuseram ao mundo preços de combustível que mudaram uma economia em crescimento na década de 1970 para a recessão que viria a seguir, que também afetou os outros grupos dos EUA e a população em geral. Pelo capitalismo, é pos´sivel infligir os piores males aos EUA, desde que não seja por uma mudança e sistema.

            Nunca o regime de Diem ou de seus sucessores contaram com o apoio do Sul. A maioria imensa dos vietnamitas preferia um país unido sob um líder nacionalista como Ho Chi Minh. Nunca os EUA realmente levaram vantagem contra os guerrilheiros ou os soldados do Norte. Só o imenso poder tecnológico do Pentágono, manifestado em bombardeios incessantes, impedia que Hanói terminasse a guerra a qualquer momento. Os presidentes e ministros várias vezes caiam em si, ou seja, reconheciam que o movimento de independência do Vietnã era apenas isso, e não uma conspiração de Moscou. mas todos temiam perder outro país para o comunismo.

            É preciso lembrar que, na década de 1960, era crença oficial que Ho Chi Minh servia á China, que esta servia á Moscou e que, uma vez que Ho vencesse, a marcha do comunismo engoliria até as Filipinas. isso parece absurdo para quem vive em nossos dias, mas foi preciso que Nixon fosse à China em 1971 para que a extrema direita se contivesse em Washington. Um estudo da Universidade Cornell mostra que, de 1969 à 1973, os EUA jogaram mais bombas no Vietnã que todo o poder de fogo usado nas Primeira e Segunda Grandes Guerras Mundiais e afirma que Nixon foi o autor disso.

            A essa altura, a sociedade dos EUA tinha se cindido. Milhões marchavam contra a guerra. Houve 500 mil desertores comprovados. Cerca de 2,5 milhões de jovens de exilaram. O consenso bipartidário de política externa terminou no país. As polêmicas intelectuais, a princípio dirigidas contra a guerra, começaram a criticar o próprio sistema econômico e político dos Estados Unidos. Nixon mandou invadir o Camboja em 1970, com a consequência de que Fortaleceu os comunistas contra o príncipe neutro, Shihanuk, e foram os comunistas que tomaram o poder, também em 1975. Nixon mandou invadir o Laos em 1971, e há imagens indeléveis de soldados do Vietnã do Sul fugindo dependurados nos helicópteros. Dos 58 mil estadunidenses mortos na guerra, 28 mil se forma sob o governo Nixon.

            Sob tremenda pressão social, o Congresso criou a Lei dos Poderes de Guerra em 1973, que limitou o direito do presidente de engajar tropas dos EUA em aventuras estrangeiras. Em troca dos prisioneiros estadunidenses em Hanói, Nixon retirou as tropas estadunidenses da Indochina em 1973, e negociou também, pelo famoso Kissinger, a derrota final do Regime de Saigon.

            Em 1973, Kissinger acertou com Le Duc Tho, líder de Hanói, que o Vietnã do Norte teria o dirieto de manter tropas onde estavam no Vietnã do Sul. Foi esse posicionamento que garantiu a caminhada de Hanói ao poder em 1975. Nixon negou isso até a morte.

            Alegou no livro No More Vietnams que foi o Congresso que perdeu a guerra, ao negar auxilio a Saigon em 1975. Isso quando as tropas do Vietnã do Norte já haviam tomado quase todo o país e o exército do Sul se desintegrava. Ninguém levou Nixon a sério. Em 1995, vinte anos após derrotar os Estados Unidos na Guerra do Vientã, o General Vo Nguyen Giap, 83 anos na época, contou à Folha as razões da vitória.

            Ele disse que no Vietnã havia uma tradicional doutrina militar. Lembrou que no século XIII, Tran Hung Dao recorria a armas simples contra os mongóis, estimulava a coragem, a criatividade e que na guerra contra os EUA o país não perdeu nenhum tanque porque não tinha. Giap coleciona vitórias sobre EUA, Franças, China e Japão. O general Vietnamita Vo Nguyen Giap entrou para a história como um dos maiores gênios militares de todos os tempos[iv].

            Derrotou em 1975 os Estados Unidos, a principal potência militar do século; em 1954, desferiu o golpe mortal contra o colonialismo ao vencer os franceses na célebre batalha de Dien Bien Phu. Estrategicamente nunca derrotado, também com vitórias sobre chineses e japoneses, Giap comandou suas tropas durante trinta anos; forças armadas que começaram com 34 soldados em 1944 e somaram quase 1 milhão de combatentes na década de 1970. Qualificado pelo Brigadeiro britânico Peter MacDonald como o mais brilhante líder guerrilheiro da história, Giap, 86, até recentemente vivia em Hanói, cercado por três assistentes e seus projetos de pesquisa. Saia pouco de casa, recebia cada vez menos visitas e procurava fugir do assédio da imprensa internacional, ataque que foi reforçado na ocasião do vigésimo aniversário do final da Guerra, em 1995. Nesse ano, o general concordou em, receber a Folha em sua casa de dois andares, herança do período colonial francês. O encontro, no entanto, se cercou de restrições.

            A Folha não pôde levar um fotógrafo estadunidense. Tratava-se de uma reunião de brasileiros e vietnamitas, portanto o fotógrafo devia ser brasileiro ou vietnamita, argumentou um assistente do General. Dang Bich Ha, 60 anos na época, mulher do segundo casamento de Giap, abriu a porta da sala para revelar paredes cobertas de livros e quadros, quase todos com a figura de Ho Chi Minh, o líder da Independência e da Revolução Comunista. Figura venerada no Vietnã, o General entrou na sala a passos curtos, sinal da idade, também denunciada pela voz fraca, mas sem gaguejos. Trajava a farda. As condecorações, no entanto, apareciam apenas no retrato a óleo pendurado sobre a lareira desativada. Heranças da guerra também sobreviviam no cotidiano do General: ele se levantava diariamente às 5h30  para ouvir o noticiário do rádio. Às 6h ainda fazia ginástica e duas horas depois começava a trabalhar nas pesquisas, uma sobre o pensamento de Ho Chi Minh e a outra dedicada às reformas que traziam a economia de mercado ao Vietnã[v].

            A jornada terminava às 15h30, após intervalo de duas horas para o almoço. Livre das pesquisas, Giap se embrenhava na leitura, dominada por clássicos militares, estudos de Napoleão ou Mao Tsé Tung, e também autores como Goethe, Shakespeare e Tolstoi. O nacionalismo de um general que nunca cursou uma academia militar emergia com frequentes passagens pela poesia vietnamita. naquele sábado, 18 de março de 1995, o general reorganizou a agenda para receber um jornalista brasileiro. Entrou na sala exatamente às 16h30, com uma pontualidade militar. Conversou durante 78 minutos e enfatizou que preferia falar sobre o futuro. Não alterou o tom de voz em nenhum momento, gesticulou com parcimônia, denunciando as típicas características vietnamitas de discrição e autocontrole. Reproduzimos, agora, alguns trechos da histórica entrevista à Folha do general que venceu a Guerra do Vietnã.

Folha: Há vinte anos, o Vietnã, apoiado pela URSS, vencia a guerra contra os EUA e seus aliados vietnamitas. Hoje em dia, o terceiro mundo ainda tem motivos para ir a guerras contra as atuais potências?
Vo Nguyen Giap: Acho que, depois do fim da Guerra Fria, desapareceu o perigo de grandes conflitos, mas conflitos de pequena escala ainda acontecem. As guerras realizadas pelas antigas forças coloniais viraram coisa do passado. Mesmo depois da independência, o Vietnã ainda teve que enfrentar o velho colonialismo, no conflito contra os franceses. Depois, tivemos que enfrentar a agressão neocolonialista, que foi a guerra perdida pelos estadunidenses. Depois dessa guerra no Vietnã, as forças neocolonialista não concretizaram mais nenhuma grande operação. No entanto, se as grandes guerras não existem mais, existe uma nova guerra, a guerra econômica entre nações, que está se tornando ainda mais feroz. Todos falam agora de uma nova ordem mundial. Mas que ordem? Nós queremos uma nova ordem na qual todos vivam em paz e igualdade. No entanto, há alguns países que desejam uma nova ordem dominada pelos países ricos e querem usar a ONU como instrumento para suas ambições. Olhando para trás, para a história da ONU, vemos que ela fez uma série de coisas, mas os resultados ainda são bastante limitados. Veja, não conseguimos evitar os conflitos étnicos ou regionais, como os que ocorrem na África e em países como a ex-Iugoslávia. Há países que usam o nome da comunidade internacional para dizer que querem restaurar a paz e enviam tropas a outros países, algumas vezes em nome da ajuda humanitária. acho que a paz é um fator que tende a dominar, mas a situação é bastante complicada.
Folha: Quais são os países que querem dominar a nova ordem mundial?
Giap: Falo apenas em termos gerais. Refiro-me a países que acumulam poder economico e militar. Uma questão crucial é se o colonialismo terminou ou não. Posso dizer que existe um novo neocolonialismo. Lutei contra o velho colonialismo, contra o neocolonialismo e acho que devemos estar vigilantes contra o surgimento desse novo neocolonialismo, baseado no poder econômico e no poder da tecnologia. A dominação ainda existe, mas numa forma diferente. No futuro, a revolução tecnológica vai se aprofundar. Veja o que acontece com a informática. países com alta tecnologia, donos de pequena população, vão ficar com parte significativa de renda no planeta, enquanto os países mais populosos, com tecnologia menos avançada, vão ainda ficar em estado de pobreza. Antes, no Vietnã, formamos uma frente de libertação contra a dominação e a agressão estrangeiras. Agora, o Terceiro Mundo deve defender sua independência, sua soberania, e enfrentar a pobreza e o subdesenvolvimento. E deve tentar o possível para desenvolver suas forças econômicas. Claro que, cooperando com países estrangeiros, até que desenvolva sua tecnologia própria. Apenas nessas condições a nova ordem mundial pode se estabelecer num cenário de igualdade. O aspecto mais importante para os países do Terceiro Mundo, é desenvolver sua solidariedade, para que possam defender com firmeza sua independência e soberania e buscar o desenvolvimento. Para criar uma situação estável para o progresso social e econômico, para gradualmente se aproxima no nível de desenvolvimento dos países ricos.
Vo Nguyen Giap

            Terminada a entrevista, o gravador desligado, o General Giap estendeu o braço para um aperto de mão e disse: "admiro sua profissão, também tive meus tempos de jornalismo, quando faziamos agitação política nos anos 40". Ele se referia aos seus incendiários artigos publicados no Viet lap, Um vilarejo chamado Anxa entrou para a história ao se tornar, á 28 de agosto de 1911, a terra natal de Vo Nguyen Giap, um nacionalista que, aos 13 anos, estava fichado pela polícia. Anxa, no entanto, quase sumiu do mapa durante a Guerra do Vietnã, castigada pelos insistentes bombardeios estadunidenses. Mas, na década de 10, eram os franceses os senhores do Vietnã e a família Giap, de origem camponesa, cultivava uma tradição de rebeldia contra os colonizadores.

            O pai do futuro general se envolveu em duas revoltas, uma em 1885 e aoutra em 1888, para acabar na prisão em 1919, acusado de subversivo. Morreu em sua cela. O pequeno Vo Nguyen Giap logo assistiu à morte de mais um familiar, provocada pela truculência da polícia francesa. Uma de suas irmãs foi presa, adoeceu na cadeia e foi solta em seguida. Morreu semanas depois de voltar para casa. As duas mortes deixara marcas na memória do menino que, aos 13 anos, abandonou o vilarejo natal para ir estudar em Hue, a capital da província, na escola francesa, o Lyceé Nacional. Por essa instituição passaram ainda mais dois estudantes importantes para a história contemporânea do Vientã: Ho Chi Minh, o líder revolucionário, e Engo Dinh Diem, presidente do Vietnã do Sul, entre 1955 e 1963.

            Giap continuou os estudos para, em julho de 1937, se tornar um advogado pela Universidade de Hanói, a única do país. O militante nacionalista se juntava a uma elite, já que, entre 1920 e 1945, apenas 408 vietnamitas concluíram o curso de Direito. O ano de 1937 também marcou o ingresso de Giap no partido comunista da Indochina e o início do namoro com Nguyen Thi Minh Giang, outra militante do movimento antifrancês. Quando do casamento em junho de 1938, os dois figuravam entre os dez mais importantes líderes do PC.

            A luta contra os franceses continuou a vitimar familiares de Giap. Sua cunhada, que voltou a Saigon depois de fazer um curso para revolucionários na URSS, foi presa, condenada à morte e fuzilada. Em 1940, a mulher de Giap partiu em viagem para visitar a família no interior e caiu na rede da polícia francesa. Foi condenada à 15 anos de prisão. Morreu no presídio de Hoalo, em 1943, quando o marido Giap organizava o embrião do Exército Vietnamita. Ele, ao receber a notícia, não esboçou nenhuma reação. Mas, depois, reconheceu que a perda foi um golpe sem igual. Com Nguyen Thi Minh, Giap teve uma filha que, com a morte da mãe, foi criada pela avó. Depois, em seu segundo casamento, o general teve quatro filhos.

            A Segunda Guerra Mundial enfraqueceu o poder colonial da França e depois abriu caminho para a invasão japonesa do Vietnã. Os comunistas de Ho Chi Minh abandonaram a agitação de antes e mergulharam em suas primeiras aventuras mlitares. Em 1940, dois de seus ajudantes, Pahn Van Dong e Giap, foram para a China aprender téticas de guerra com os comandados de Mao Tsé Tung.

            Setembro de 1944 entrou para a história do Vietnã Comunista como mês de nascimento do Vietminh, o braço armado do movimento nacionalista. Seu primeiro comandante: Vo Nguyen Giap. A ação de batismo foi deslanchada no Natal de 1944. Os 34 comandados de Giap se lançaram contra dois postos franceses e, como resultado final, dois tenentes mortos e rendição dos inimigos. Em junho de 1945, os homens do Vietminh, então já com 5 mil e munidos de armamento obsoleto, centraram fogo contra o invasor japonês. Os EUA, interessados em acelerar a derrota do Japão, forneceram um arsenal mais moderno ao futuro inimigo Giap, numa das ironias que recheiam a história. A 28 de agosto de 1945, as tropas vietnamitas entravam em Hanói, vitoriosas e livres de japoneses e franceses.

            Mas era apenas a primeira fase de uma luta que se retomaria com a volta da França e suas ambições coloniais.

            Após a Guerra, o Vietnã unificado se tornou completamente stalinista. Centenas de milhares de pessoas fugiram desse regime severo e brutal. No Camboja, agora Campuchea, os comunistas mataram cerca de 30% da população, considerados indesejáveis. O Laos foi colonizado pacificamente por Hanói. Muitos liberais se chocaram com esses resultados e se arrependeram de ter apoiado a revolução vietnamita. Os sucessores de Ho Chi Minh, Le Duc Tho, Le Duan e Kiett, depois de perpetrarem os habituais horrores stalinistas, ficaram, à partir de 1984, reexaminando a situação. Ao tomarem o poder, deram um fim à iniciativa privada, criaram projetos de faraônicos de energia e outros para a população camponesa. Destruíram a economia de consumo do Vietnã do Sul, considerando-a relíquia podre do capitalismo e estabeleceram um estado policial. Mas o bom senso e a flexibilidade que Ho Chi Minh demonstrou em vida tinham chance de prevalecer. O Vietnã é rico em recursos minerais. Não poderia explorá-los sem capital e tecnologia do mundo capitalista. As fábricas que montaram com tecnologia soviética do leste europeu já nasceram obsoletas. Apesar  disso tudo, a vit´roia vietnamita não abalou a liderança e riqueza dos Estados Unidos a ponto de crise fatal.

            A guerra provou algumas coisas: o nacionalismo é a maior força ideológica no mundo no fim do século XX. Os vietnamitas são mesmo os guerreiros indômitos descritos em lenda. A atitude de Reagan em relação à Nicarágua comprova o que disse Santayana[vi]: "A única lição da história é que nada se aprende da história". Nem mesmo a fantasia dominante nos EUA, de que a tecnologia tudo pode, foi abalada com a guerra. Uma incrível batalha em que o maior impe´rio tecnológico do mundo foi derrotado por legiões de primitivos camponeses.
           




[i] Por questão de respeito a todos os americanos, sejam norte, centro ou sul americanos, onde se originalmente se lia “americano” ou “norte-americano”, substituímos por “estadunidense”, uma vez que por “norte-americanos” também entendemos os canadenses e mexicanos.

[ii] Entre 2005 ou 2006, Calley se divorciou de sua esposa, Penny, cujo pai o tinha empregado no V.V. Vick em Columbus, na Geórgia, desde 1975, e mudou-se para o centro de Atlanta para viver com seu filho, William Laws Calley III.  Em outubro de 2007, Calley concordou em ser entrevistado pelo jornal britânico Daily Mail para discutir o massacre, dizendo: "Encontre-me no saguão do banco mais próximo na hora de abertura amanhã e me dê um cheque certificado por US $ 25.000, Falarei com você por exatamente uma hora." Quando o jornalista chegou para questionar Calley sem um cheque, Calley saiu.
Em 19 de agosto de 2009, enquanto falava para o Kiwanis Club of Greater Columbus, Calley emitiu um pedido de desculpas por seu papel no massacre de My Lai. Calley disse:
“Não há um dia que passa que eu não sinto remorso para o que aconteceu naquele dia em My Lai. Sinto remorso pelos vietnamitas mortos, pelas suas famílias, pelos soldados americanos envolvidos e pelas suas famílias. Eu sinto muito... Se você está me perguntando por que eu não resisti a eles quando me deram as ordens, eu vou ter que dizer que eu era um 2o Tenente recebendo ordens do meu comandante e eu as segui tolamente, Eu acho.”

[iii] Acredita-se que durante a Ofensiva do Tet, entre forças do Exército do Vietnã do Norte e a guerrilha Vietcongue, foram mobilizados mais de 80 mil homens. Depois de recuperadas da surpresa, as forças dos EUA e do Vietnã do Sul começaram uma contra ofensiva que levou à baixas na casa dos 60% para os agressores. Militarmente, o Tet foi uma derrota para o Vietnã do Norte, mas a vitória foi política já que as imagens da guerra, a crueldade e o caso de execução envolvendo o General Loan levaram a opinião pública dos EUA a desejar o fim do envolvimento. Se tornou uma guerra impopular e mais: o fato de a inteligência dos EUA ter sido feita de boba tirou a credibilidade do governo. Se o Tet não teve o efeito militar esperado, teve o efeito político que levou ao fim da guerra, o que torna a ofensiva um sucesso. Como disse o General Nguyen Dinh Uoc: "Não perdemos nada porque ganhamos tudo. A reunificação era a única coisa que importava." http://acertodecontas.blog.br/economia/vencemos-os-eua-porque-soubemos-engana-los-diz-ex-chefe-da-propaganda-do-exercito-do-vietna/

[iv] Giap faleceu no dia 4 de outubro de 2013, em um Hospital Militar em Hanoi, onde ele estava internado há quase quatro anos, aos 102 anos de idade. “Derrotamos os franceses porque eles eram arrogantes. Derrotaremos os americanos porque eles são muito mais arrogantes que os franceses”. Atribui-se a ele uma resposta ao comandante estadunidense  durante a assinatura dos tratados de paz sobre "Você sabe que, na verdade, vocês nunca nos venceram militarmente, não sabe?", ao que respondeu "Isso é verdade. Mas dado o resultado desta reunião, isso é irrelevante." Isso só confirmou que a guerra é apenas fazer política por outros meios e que quem ganha ou perde é uma questão política.
[v] A abertura do mercado do país, chamada de “Doi Moi”, nos anos 1980, marcou o início do esforço para um crescimento superior a 7 por cento, que diminuiu nos últimos anos após um aumento da inadimplência em empresas estatais. Nesse momento, o Vietnã é cotado a ser um dos Novos Tigres Asiáticos, com grande investimento de capital estrangeiro e por ter mão de obra mais barata que a da China, entre outros fatores. Mais informação em http://exame.abril.com.br/economia/bom-dia-vietna-pais-pode-se-tornar-novo-tigre-asiatico/

[vi] George Santayana, pseudônimo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás (Madri, 16 de dezembro de 1863 - Roma, 26 de setembro de 1952), foi um filósofo, poeta, ensaísta e romancista.